Vertigem


A situação era esta: uma garota pensava dentro de um pequeno quarto de um hotel três estrelas, localizado no centro de uma grande capital. Sozinha, a garota visitava a cidade pela primeira vez. Tirando os turistas, ninguém falava sua língua e, com dificuldade, conseguia entender quando o atendente perguntava se iria querer ketchup no lanche. Na situação inicial, a garota - que já havia conhecido e fotografado alguns dos mais famosos pontos da cidade com a ajuda de um guia turístico - pensava. A dúvida era se deveria sair à noite, ir a um pub, sozinha.

Estava longe de casa e de sua cidade há mais de dez dias, o que fez com que - àquela altura - um misto de saudade e ansiedade percorresse todo seu corpo. Pensou em como seria divertido sair com suas amigas naquele dia. Sentiu falta de saber como chegar aos lugares sem precisar de um mapa. Não conhecia as ruas daquela cidade à noite. Seriam perigosas? Talvez, sim. Talvez, não. E, sendo perigosas, deixaria de sair por isso? Quais os riscos? Valeria a pena?

Lembrou do que leu no dia anterior, sentada sob uma linda e enorme árvore numa das mais memoráveis praças da capital. Lia Kundera que falava sobre a vertigem, aquela tonteira que nos dá de repente ou quando estamos diante de algum abismo profundo. Vertigem. Ele dizia que a vertigem não é o medo de cair e sim o desejo de se entregar à queda - "do qual nos defendemos aterrorizados".

Quando leu essas frases, a garota logo entendeu o que o escritor tcheco dizia. Havia experimentado aquela sensação pouco antes de decidir ir viajar. E a viagem - uma espécie de fuga particular - era a própria queda. Era um tapa, um estalo que a tirou do transe e a lembrou de que, na vida, há coisas horríveis, sim; mas há também - e sempre haverá - coisas belíssimas que câmera nenhuma seria capaz de registrar.

Pensando em Kundera e em tudo o que estava fazendo para se livrar da  sensação de vertigem, considerou estúpida a sua própria dúvida e, minutos depois, estava fazendo amizade com garçons vestidos de piratas e ficando bêbada com alguns copos de cerveja. Sozinha, sim. Mas feliz em ultrapassar a vertigem, desarmar suas próprias defesas e se permitir a uma deliciosa e surpreendente queda.