Café, chá e nós dois


"Eu não gosto muito da chuva", ela falou, enquanto se secava do banho que acabara de tomar do ponto de ônibus até a porta da minha casa. Eu ri e a convidei para entrar. Peguei uma toalha para que ela se enxugasse. Achava bonito esse jeito dela. Não importava o que acontecesse, estava sempre radiante. Podia estar reclamando, brava, chateada, mas ainda assim conseguia iluminar os lugares.

Ofereci um café, mesmo sabendo que ela preferia chá. "Tem chá?", perguntou. Tinha esperanças de que um dia ela se juntasse a mim em meu vício. Camomila. Camomila era bem o jeito dela, aliás. Calma, atenciosa, agradável, sorridente. Ana era meio assim, meio Camomila, enquanto eu era pura cafeína.

Eu, café. Ela, chá.

Na mesa, tinha pão, requeijão e uns biscoitos. Ela preferiu não comer nada e se sentou em frente à janela da sala, observando as pessoas se relacionarem com a chuva. Comi um pão e  me juntei a ela.

Dei-lhe um abraço, daquele assim, meio de lado.

- Você é mesmo meio camomila. Meio completamente, quero dizer.
- Como assim? - sorriu, mas era um riso tão gracioso que me desconcertava toda vez.
- Ah, assim. Calma, atenciosa - disse após beijá-la.

Ela voltou a olhar a cidade. Não sei o que pensou sobre o que eu falei, não sei se estava irritada ou se tinha se apaixonado ainda mais por mim. Mas uma coisa era nítida: mantivera-se radiante. Notei que queria o silêncio e, nisso, combinávamos perfeitamente.

Ficamos ali, olhando o ir e vir, os encontros e a água incessante que lavava as ruas de concreto, enquanto nossas xícaras se esvaziavam. Ela quebrou o gelo reforçando o que havia dito mais cedo. "Eu, realmente, detesto chuva".

Ana preferia os dias de sol, ir a praia, ao parque, sair, encontrar pessoas sem que uma delas estivesse tentando se abrigar sob uma sacada. Eu percebia isso tudo e achava graça. Éramos opostos. Ela, tão sol. Eu, tão chuva.

- Ana, se um dia eu sumir, assim, do nada, promete não ficar com ódio de mim? - disse.
- Mas por que você diz isso, meu bem? - franziu o cenho.

"Ana, meu amor, deus sabe como meu coração te chama, mas é que você é tão camomila e eu tão café. Você é sol, mesmo quando chove. Já eu, meu bem, eu sou chuva o tempo inteiro".

Não disse isso, é claro. Só pensei e pensei uns dois dias depois, porque nunca consigo ser poético quando quero. É que, naquela hora, ela me olhava tão inocente. Como se, para ela, nada dessas pequenas coisas importassem, como se estivesse feliz só por estar ali, comigo.

Então, quando ela perguntou por que eu falava aquilo, eu disse o que deveria dizer.

- Nada não, besteira - e deixei que ela encontrasse descanso nos meus braços feito sol poente em céu nublado.