Femme fatale



Eu era delegada há apenas seis meses.

Todo dia eu acordava mais cedo do que precisava. Eu tinha que pensar em tudo. Minha roupa, cabelo, jeito de andar, jeito de falar, postura. Eu não queria dar margem para nem um tipo de comentário. Nem bom nem ruim ao meu respeito. Na verdade se eu pudesse ser invisível, eu seria. Além de mim, apenas mais uma mulher policial e uma secretária. E mais de vinte homens.

Todos os dias eu pensava em desistir. Todos os dias eu pensava que advogar em uma empresa privada teria sido minha melhor escolha. A mais consciente. Mas eu não era muito. Eu sempre fui movida a paixões e impulsos. E por essas e outras eu vim parar aqui. E nessas eu conheci Carmen.

Era fim de expediente e eu estava morta de cansaço. Toda nova ocorrência que chegava, eu fechava os olhos e mentalizava minha cama. Meu copo de chá. Minha coberta com estampa de zebra. Nesse dia tinha chovido muito e muitos funcionários tinham faltado. Todos estavam fazendo de tudo um pouco, então eu fui atender esse B.O de ultima hora.

Ela sentou na minha frente e seu semblante era placido. Ela tinha um olhar duro e determinado. A maquiagem milimetricamente desenhada acentuava. Eu nunca fui o tipo que liguei para coisas de marca, mas olhando pra ela, eu sabia que aquelas roupas eram de alta costura. Eu já tinha as informações de lugar, hora, e tudo mais. Então fui direto ao ponto.

- Me conte o ocorrido senhora.

- É senhorita. Ela corrigiu, mas de forma calma.  Mas ali todo mundo era senhora e senhor. Essa norma da língua tinha caído a tempos.

-Tudo bem, senhorita.

- Pois bem. - Ela começou se ajeitando na cadeira.  - Eu estava saindo da loja, com algumas compras e tinha chamado um táxi. Era por volta das seis, nem estava tão escuro, sabe? Ele veio em direção a mim e já foi me mostrando a arma e me empurrando.  Ele vestia uma bermuda, camisa preta, boné preto também. Era da minha cor. Falava alto, crescia para cima de mim. Eu não entendi uma palavra. Apenas entreguei tudo que tinha e ele veio, sem mais e... Deu um tapa na minha bunda! Não sei o que isso tinha a ver com o assalto, ele apenas se sentiu no direito.  Pegou impulso e correu para uma rua escura.

- A agressão deixou alguma marca Senhorita?

- Deixou, claro. Como muitas outras. É a invasão, sabe? - Ele me lanço um olhar de cumplicidade que me atingiu como uma flecha. Eu apenas sorri fraco de volta. - Olha Delegada, vou te contar uma coisa. Eu me casei três vezes. Todas as vezes que sai de casa, eu sai apenas com o que tinha entrado. Nunca quis nada. Nem um brinco. Não tenho esse tipo de apego material. as coisas veem e é ótimo, mas um dia elas vão. Sempre vão. Então o que me incomoda é a invasão. Eu sou do interior. Venda Nova. Eu demorei um mês para dar as mãos ao meu primeiro namorado. Ai aparece um moço sei lá de onde, sabe? É muita audácia.  - Eu não soube o que responder na hora. Sabia exatamente o que ela queria dizer.  - Não precisa escrever isso tudo. Ela continuou, antes da minha resposta padrão. - Eu só queria contar isso para alguém que ia prestar atenção.

Eu anotei tudo. Sem tirar nem por. Ela pediu obrigada. Se levantou e caminhou até a porta. Elegante como eu jamais seria. A ideia da femme fatale me ocorreu. E me fez rir. Uma mulher fatal deve parecer uma coisa bem curiosa mesmo para os homens. Já para nós, quase todos eles são potencialmente fatais.