Pés no chão


Eu nasci com esse balão de gás hélio invisível, preso na minha mão por uma corda também invisível. Cada vez que eu pulava para tentar alcançar algo, chegar mais rápido, comemorar, brincar, eu subia um pouco mais. de modo que em poucos anos, ficava impossível colocar os pés no chão. 

As vezes, as pessoas estavam falando comigo e eu nem conseguia ouvir. Eu estava bem no alto e tudo me distraia. Difícil era até se curvar, para tentar olhar para as pessoas de frente. Prestar atenção. De cima, nada poderia me abalar, mas também não poderia me afetar. Meu mundo era como uma redoma de vidro onde só passava a sombra de todas as coisas. Deixando a realidade mascarada, fantasma. 

E ais que, inesperadamente, um fato, certeiro como uma flecha, afinado como agulha e paradoxalmente tão pequeno pra quem vê de fora, atinge, sem piedade, meu companheiro balão, me levando, sem nenhum tipo de amortecimento, direto para o chão. E no fundo eu sabia, que o baque tinha sido forte mas a queda era a pior parte. 

E no chão as pessoas estavam perto. Muito perto. Assustadoramente perto. E eu me perguntava o que elas diriam quando, de repente, eu me desligasse do assunto, ou sumisse por uns dias, porque minha cabeça estava nessa outra vida, a vida junto com meu balão de ar. Eu torcia para que elas pudessem me perdoar. 

Eu encontrei essa menina, quase uma criança, que me disse que eu me importava muito. Com tudo. Que eu devia deixar algumas coisas passarem. E tinha esse senhor que riu quando eu eu falei que nunca mais eu poderia voar. Ele disse que tudo estava na minha mente. O chão e o céu.E essa mulher, forte como um carvalho, que me ensinou que eu ainda tinha muito a aprender. Que embora eu achasse, devido a minha experiência fora do chão, que eu sabia demais, na verdade esse era só um começo. 

E por acaso eu encontrei alguns outros que tinham perdido seus balões. Eles ainda tinha a leveza de quem sabe voar, mas sabiam dar a valor ao fato de poder caminhar. Um desses me disse que gente como a gente não tem mistério. Apenas é. E isso é tão claro para as outras pessoas, que a empatia é imediata. Eles entendem. 

Fui absorvendo. Comendo as palavras que  chegavam a mim, e botando pra fora as que não cabiam. Até que nesse dia eu fui espreguiçar e senti. Senti aquele vento fresco e puro que eu só conseguia sentir lá de cima. Com um susto, olhei imediatamente para os meus pés. Não acreditei.  Olhei para toda a estenção do meu corpo. Eu estava grande, enorme. Mas ainda assim, meus pés estavam firmes no chão.