Pixo de amor não doi


Aquela pequena grande cidade sempre foi caótica. Todas as coisas não pareciam fazer sentido entre si. Cada pessoa andando para um lado. Cada mente com um sonho. Mesmo que eles fossem, eventualmente, levados na mesma direção. Ninguém sabia, ninguém falava sobre.

E eu… Eu me sentia mais sozinha ainda. Andando por aquelas ruas que eu conhecia tão bem. Passando pelas mesmas lojas, as mesmas praças, as mesma árvores. Eu me sentia estrangeira. Ou temporária. Como se nada do que eu fizesse por aqui fosse durar. Como se a cidade em si não fosse durar.

E, nesse dia, eu entro no ônibus e vou olhando para janela sem ver nada. Apenas borrões. Eu chorava de raiva. Raiva por não encontrar um motivo sólido e concreto para a minha constante chateação. Desânimo. Com o mundo, com os amigos, com os relacionamentos.
O ônibus para na frente de um muro. Nele, umas letras garrafais e tremidas dizem: “Amor, volta pra mim, só um pouco”. E uma tag assinava a poesia concreta marginal. Odiei. Odiei ver uma declaração tão simples e direta que pode custar, dependendo das circunstâncias, bem uns três mil reais - ou mais.

No meio da minha raiva por essa demonstração pública de amor, comecei a rir. Percebi, assim, qual era o motivo da minha grande insatisfação. E era provavelmente, por achar, que na minha vida, nada era direto. Nada era simples. Tudo tinha grandes poréns que eu não sabia pra que serviam e onde me levavam, afinal. Chateada eu estava, por não ter ninguém em minha vida por quem eu pudesse pixar um muro. Nem por mim mesma.

Consigo sentar no ônibus e isso me alivia. É sempre uma sensação de conquista um acento na janela dentro de um ônibus lotado. Agora o ônibus está devagar. E devagar consigo ver as mesmas lojas, ruas, praças e árvores. Vistas assim, como algo que passa, me bateu um aperto do peito. Um medo de que, no fundo, o que mais me irritasse na cidade é o fato de gostar tanto dela. Mesmo tendo tantas, tantas coisas que eu mudaria.

Encosto a cabeça na janela. Com os olhos semi-cerrados e a vista embaralhada pelo balanço generoso do ônibus, consigo ver essa tag, esse desenho, meio representativo, meio abstrato, desenhada de verde. Sorri. Eu conheço a pessoa que fez isso. E ela é uma pessoa tão legal. Me sinto parte, me sinto desperta. E me sinto mal, por ter odiado, mesmo que por segundos, aquela pobre declaração de amor.