Brincos perdidos e amores findáveis


Eu me lembro como se fosse hoje, com muita clareza.

Eu não ia dormir na casa dele, não aquele dia. Ele ia fotografar um rock, eu tava fazendo um bico no bar. Nos encontramos por acaso. Estávamos naquela fase solta, de não rotular, de não marcar, apenas deixar rolar. E o acaso vinha nos dando ocasionais forças. Eu dei uma bebida para ele de graça. Ele tirou uma foto quase espontânea de mim. Parecia tão natural, tão simples.

No outro dia, eu acordei com o despertador martelando minha cabeça. Droga! Já era hora de levantar para trabalhar. Para o meu emprego de verdade. Levantei num pulo e comecei a me arrumar. Ele me olhou, meio sonolento, meio rindo. Eu dei um selinho rápido e sai correndo. Jogando a chave por de baixo da porta. Fui fazendo minha maquiagem de qualquer jeito no ônibus. Não era todo dia que fazia, mas a cara de ressaca estava saltando dos meus olhos. Acertei o cabelo e vi que estava sem meu brinco. Como eu adorava aquele brinco. Essas pedrinhas que parecem coisa de Vó. E era mesmo. Da minha, que tinha deixado comigo.

Fiquei pensando no brinco o dia todo. Mas era tão, tão clichê dizer que esqueceu o brinco. “Oi, posso passar ai pra pegar meu brinco”. Típico. E nesse mundo moderno com laços tão frágeis, um mero sinal de apego espanta o outro.

Por fim, disse. Disse que era de ouro e era da minha avó. “O.k. eu levo no seu trampo pra você.” Ele respondeu naturalmente escorregadio. Eu fiquei na verdade bem feliz, de não ter que ir lá pra pegar e ficar parecendo uma forçada de barra. Mas fiquei mais feliz ainda por não ter que pegar um ônibus no sol quente pra fazer isso. Na hora de entregar, ele me chamou pra sair, assim como quem não quer nada, qualquer dia desses... Me empolguei um pouco, mas demonstrei menos do que senti. Mais um clichê. Mais um para a lista da A.B.N.T dos relacionamentos.

E, agora, mais de um ano turbulento depois eu estou aqui. Parada na frente do celular, tentando procurar uma forma de falar com você. E preciso falar isso diretamente para você. Foi apenas uma briga besta. Uma coisas simples. Mas tão simples, que me fez perceber o óbvio. Se você não consegue entender as coisas que quero dizer, se não podemos ter uma conversa minimamente civilizada após um desentendimento, é porque não está certo. Se não existe intimidade, cumplicidade, não existe mais nada, meu caro.

Não queria ouvir sua voz. E você, sem delongas, me pediu para me afastar. Estranho eu pisar em ovos para falar algo tão banal com alguém que conhecia há tanto tempo. Estranho, mas previsível. Então apenas escrevi. Foi direta. “Sei que você pediu para não incomodar, mas, aqui, devolve minha coleção de Star Wars.”