Se essa rua fosse minha


Quando nova, ouvia essa canção em todo evento escolar. Eles me diziam que esse era o tipo de música que crianças deveriam ouvir. Fazíamos encenações em cima dela e cantarolávamos na hora do intervalo das aulas. Mas a vida nunca perde a ironia e, dez anos depois, cá estou, perguntando a mim mesma o que faria se essa rua fosse minha. Essa mesma, que estão querendo esvaziar.

Pergunto-me nesses termos porque do jeito que dizem, eles do lado de lá, é como se ela não fosse mesmo minha. Ou nossa. Se eu paro de imaginar como seria a rua sendo minha e começo a agir como se ela já fosse, eles vêm, do lado de lá, pra dizer que não pode ser assim.

Daí dizem que tem abaixo-assinado, que tem outra gente que também é dona da rua, que tem que ser assim. Tudo bem... Ocupar a rua nunca deixou de ser uma luta, né? Viver é isso. E aí eu me respondo. Se essa rua fosse minha, não mandaria ladrilhar não, muito menos com pedrinhas de brilhante. Sendo minha, talvez colocasse uma mesa pra vender livros, uma caixa de som pra declamar qualquer poema que fosse - ou reclamar qualquer poema que fosse.

Talvez, sim, deixaria as mesas lá. É só um objeto e, em sua ausência, os boêmios bebem, brigam e falam mal de quem quiserem ali mesmo, em pé. Mas eu as deixaria. É instrumento de trabalho. Não só do garçom, mas de todo aquele que ali se senta. Trabalho de quem se apoia, se escora nela, tentando esquecer um amor doído; ou de quem diz coisas como "vamos lançar uma revista juntos?". E depois lançam. E como você vem aqui na minha cara me dizer que não é cultura isso? Não é trabalho isso? Não é povo?

Pois bem, se essa rua fosse minha, eu mandava deixar do jeito que tá. Com essa gente circulando mesmo, fazendo samba, feira, figa e amor. É que é essa gente, que sou eu também, que faz a rua ser o que é. Sem essa gente não tem rua, não tem feira, muito menos cidade para chamar de sua.