peça solta


foto: Juane Vaillant




Eu nasci para ir embora.
Fora do lugar, desajustado, embora não pareça. Uma pecinha que não é de lugar nenhum, mas que sempre se encaixa razoavelmente em vários quebra-cabeças, mas que não pertence. Falta de localização. Desterritorialização.
Cada novo lugar que descobria, seja no atlas ou pela janela do trem, parecia o lugar certo. Não que eu realmente embarcasse ou desembarcasse. As vezes eu só pensava.
Um pouco sobre possibilidades, um tanto sobre vantagens.Nunca parando realmente para planejar um futuro sólido, eu fui levando. Mudando de rumo, quando parecia conveniente. Nada era tão forte que poderia ser substituído, por um desses futuros móveis. E eu fui em frente. Sempre em frente. Nunca para trás, nunca em círculos.
Plantado minhas sementes por ai, continuei a me encaixar em quebra-cabeças tão confusos quanto eu mesmo. Muitas vezes a resolução dos mesmos se parecia com uma pintura de Pollock. Lindamente sem sentido algum.
Não sempre. Só por pouco tempo.
Nada parecia tão forte para me fazer ir, mas tão pouco existia algum tipo de laço, de elo, que me prendesse por aqui. Não até então.
Adiando as viagens, comecei a imaginar, que talvez, só talvez, seria melhor nunca sair, deixar o refugio viver intacto, no lugar onde ele jamais desmoronaria. O desejo de viajar é o que manteria minha sanidade tão frágil. Mas, não tardou o dia, que a profecia criada e acreditada, somente por mim, veio por si.
Eu nasci para ir embora. Eu disse. E fui.
Mas sinceramente eu gostaria de  não ter que inventar um motivo para ficar.