Para-brisa e fim de ano


A cena é esta: eu dirigindo, calor - muito calor. O sinal fica vermelho, paro. Um rapaz coloca seu pano no para-brisa do meu carro, indicando que iria limpá-lo. Eu, de forma automática, querendo fugir dos diálogos possíveis e das obrigações prováveis, logo disse: "Não tenho dinheiro, moço". Se não fui ingênua, fui uma imbecil. Pelo menos, foi dessa forma que me senti assim que o rapaz me retrucou: "Não, não esquenta".

E, com seu pano seco, limpou com carinho e cuidado todos os cantos do meu para-brisa e os retrovisores, também. Fiquei sem saber o que dizer, como agradecer. Soltei o tradicional "Obrigada, que Deus te abençoe" e fui embora, com um sorriso de afeto e gratidão no rosto, me sentindo a pior das espécies, porque talvez, se eu procurasse, talvez tivesse qualquer moeda, qualquer coisa. Mas, enfim... O Destino quis assim, exatamente assim.

E foi aí que mais uma vez a vida me ensinou um turbilhão de coisas. Fiquei pensando sobre o dar sem querer nada em troca, sobre expectativas, sobre a pressa diária, sobre os esteriótipos, sobre a pobreza nossa de cada dia - da hipocrisia que nos sonda e nos cega. Fiquei pensando e me toquei que o meu 2014 foi muito parecido com aquela cena que aconteceu em poucos minutos, frente a um sinal fechado.

Recebi afeto em momentos que eu nada tinha a oferecer, só tristeza. Por outro lado, a alguns neguei, por hábito ou por medo, o afeto pouco que havia guardado com muito custo. Pensei na miséria da minha condição humana e, logo depois, me alegrei na grandeza de espírito dos amigos que me acompanharam ao longo desse difícil e maravilhoso ano.

Senti-me grata, ainda que sem merecer todos os motivos. E, passada a tristeza que parecia infindável no início deste quase-interminável 2014, percebi que a paz quase-incompreensível havia se instalado em mim por tempo indeterminado.

(Boas festas do Boas de Prosa pra você :*)