Pelo espelho


Lá estava ela. Parada, a se observar na imagem refletida pelo espelho. Olhava-se, pensativa, lembrando do que as pessoas costumavam lhe dizer quando ainda era criança. Riam e a apelidavam de qualquer coisa que a pudesse fazê-la sentir-se mal com seu próprio corpo. De "baleia" à "bujão de gás". Sorriu, olhando atentamente suas curvas, suas perfeições e imperfeições. Nua, tocou seus seios, suas coxas. Passeou, com os dedos, pelas celulites que a enfeitavam. Sorriu.

Lembrou do dia em que decidiu comer uma deliciosa fatia de torta, numa cafeteria próxima à faculdade. Lembrou dos olhares, dos comentários. Lembrou, também, de como se sentiu triste por isso, na época. Prendeu os cabelos, lisos e negros, e continuou a se observar. Deslizou as mãos pelo rosto e sorriu de novo ao se lembrar dos beliscões que, até hoje, recebe.

Os olhos se encheram de água e as lágrimas caíram, delineando o rosto, até estacionarem no sorriso que permanecia. Ana estava feliz e, por isso, emocionou-se. Sentia-se bem consigo mesma, com seu corpo, com a vida que estava levando, podendo ser quem sempre quis. A alegria a inundou ao perceber que não havia mais dor e que ela havia aprendido a lidar com os preconceitos. Ela, enfim, se amava.

Despertou de seus devaneios, quando Maria, ao acordar, disse:

- Amor, você é linda. Volta pra cama, volta?