Casa

foto: Juane Vaillant
Eu não conseguia me lembrar com qual blusa eu estava. Lembro que fiquei pensando em usar uma blusa da isabela que eu adoro. O quarto dela fica a quinze passos do meu e era tarefa fácil. Mas eu desisti e fui com essa outra. Eu não consigo lembrar da outra. Mas acontece que nesse meio tempo éramos apenas eu e minhas ideias.

Quando eu sai de casa, com essa blusa misteriosa, tudo virou um borrão. A minha sorte foi a T5i. Eu estava com a câmera e ela era o motivo perfeito para que meus olhos ficassem escondidos e para que minha expressão pudesse assumir esse tom sóbrio e concentrado. Eu não precisava sorrir. Mas mesmo assim, eu queria. Toda vez que um ou outro menino desses, cheio de energia e brilho nos olhos vinha me falar alguma coisa, qualquer coisa, eu prestava atenção. Eu sorria. Eu cheguei a gargalhar um em certo momento.

Um deles me contava uma história melódica e rimada e eu desejava que a história nunca acabasse. Amaldiçoei meu inconsciente. O que eu pensei era sobre você. Na minha cabeça, ritmado também, veio um pensamento: “Ele tem metade da sua idade e o dobro do seu talento”. Mesmo que eu acreditasse realmente nisso, o que eu pensava tinha um ar de desdém. Um quê de recalque. Eu só queria que você não estivesse ali. Mas você estava.

Eu não podia ignorar sua presença que fazia tanta questão de ser ausência. Uma névoa de desapontamento e aflição que eu não conseguia esconder. Ao menos não de mim mesma. A T5i, como boa amiga que é, não me ajuda só a ficar bem, mas acoberta minhas merdas. Todas elas. Deixando eu te lançar olhares furtivos por de trás da lente propositalmente tão focada.

E eu só pensava em uma coisa: Casa. Eu quero ir para casa. E eu pensava em como ir. Como sair de fininho? Como andar até lá sozinha? Como? Enquanto isso eu rezava para que alguém falasse ou fizesse algo emocionante ao ponto que eu pudesse chorar. E foi dito. Mas eu não chorei. Tinha uma ponta de orgulho entalada na minha garganta e no canto dos olhos. Me senti boba. Criança. Contraditória. Diminuta. Cheia de mim mesma. Fui.

Quando entrei no meu quarto um misto de dor, surpresa e inesperadamente de felicidade me invadiu. Eu estava chorando. Chorando por algo que nunca imaginei que choraria. Me culpando por sentir. Me remoendo por não ser de ferro. Mas algo tinha acontecido. Quando pintei meu quarto, decorei a sala, carreguei móveis, cozinhei, chamei os amigos pra beber, em todos esses momentos eu chamava essa casa de “minha”. Só que no momento em que eu desabei no chão do quarto foi que eu tive certeza. Estava em casa. E isso era tanto, tanto, que eu estava feliz. Apesar de você.