Cleópatra


Juane Vaillant

Todas as calcinhas dela eram vermelhas e isso não era uma coincidência. Ela sempre andava com uma bolsa enorme e isso também não era por acaso.  Ela tinha uma roupa reserva na minha casa. E eu tenho certeza que minha casa não era a única. Era tudo pensado, tudo calculado. Ela nunca me disse adeus, mas foi embora, como tinha que ser.

Eu a conheci em uma festa qualquer. Ela estava ficando com uma menina, eu com outra. Nossos pares acabaram sumindo noite a dentro e sobramos até o fim da noite dividindo uma garrafa quente de catuaba. Eu nem gostava tanto, mas fiz companhia.

Eu estava tão detonado naquela época. Não parecia ser eu mesmo. Eu era uma espécie de sombra. Eu só consegui conversar com ela porque ela também estava. Porém sabia disfarçar tão bem, tão bem. Ela mesmo acreditava. Dizia que não ficava muito tempo na foça. Que as coisas a atravessavam,apenas. Mas aqueles olhos definitivamente eram de fundo do poço, embora o sorriso e o batom não fossem.

Nesse dia ela me falou sobre a Frida. E sobre a Rosa. E sobre a Cleo. Apelido que ela dava para a Cleópatra. Ela disse que embora ela tivessem enfrentando uma enorme crise em seu governo, fosse excelente em estratégia e altamente culta, só os seus casos amorosos se sobressaíram. “É assim com as mulheres. É sempre assim. Chegar lá não é chegar lá, a não ser que você tenha “alguém”.

Eu nunca ia saber o que era isso. Mas eu fui na wikipédia.Ela tinha uma certa razão. Quando você observa como são retratados homens e como são retratadas mulheres, existe sempre mais destaque para a vida amorosa das mulheres. Como se fosse o caminho óbvio. Como se fosse o objetivo. Ela nunca seria definida por um status. Ser uma citação na biografia de outra pessoa. E eu sabia isso desde o inicio.

“Dizem que ela colocou uma lei, que só ela poderia pintar as unhas de vermelho. A Cleopátra, digo.” Ela disse, olhando para cima, mas para si mesma.

“Você acha isso legal?” Eu perguntei. Não parecia o tipo de coisa que ela concordaria.
“Não, mas eu entendo. Querer ter algo só para si, em um mundo onde nem o seu corpo é. E ela era a rainha. Não sei se eu seria diferente, naquele contexto. Vermelho é vermelho.”  Ela sorriu. Eu já estava envolvido.


Se eu fosse o rei ela também nunca teria ia embora. Nem ela, nem as calcinhas vermelhas.