Faça um pedido


Juane Vaillant

Para alguém que espera algo tão extraordinário da vida, uma grande virada, uma descoberta, uma viagem inesperada… Quase tudo poderia parecer entediante em algum momento. Mas definitivamente quartas-feiras eram entediantes. Catharina estava no ponto de ônibus e o seu passou, como se ela não estivesse ali com o braço para o ar desde que ele virou a esquina. Droga! Perder o ônibus era que transformava um dia normal e pacato em um dia realmente chato.

- Seria muito bom ter teletransporte, né?
Disse um homem ao seu lado. Ele devia ter uns quarenta anos e aparentava uma leveza sem tamanho. Catharina ficou impressionada que ele tivesse falado logo sobre isso. Teletransporte era mais recorrente na sua cabeça do que as tarefas diárias ou pensar naquele cara.

A primeira vez que pensou sobre isso, era bem pequena. Teve essa viagem na escola, e seus pais não tinham dinheiro para o transporte. Ela, que tinha ouvido sobre teletransporte em um desenho animado, pensou que essa seria uma ótima forma de ir até lá. Descobriu, não muito depois, que teletransporte não existia. Mas intimamente, acreditava que se ela desejasse muito, muito, algum dia ela teria essa chance.

 - Sim, seria ótimo. Para isso e outras coisas. - Ela respondeu para o homem, ainda olhando o ônibus perdido se afastar.
 - Você acha, que se fosse fazer um pedido, seria esse? - O homem falou. Concertou os óculos e olhou diretamente para ela.
 - Um pedido para quem? Catharina perguntou, um tanto desconfiada, um tanto palpitante. Quem espera grandes coisas da vida tende a apreciar conversas estranhas.
 - Sei lá, um gênio, ou algo assim. - Algo na forma como o homem falava, dava a entender que ele a conhecia de algum lugar. - E se for, porque?
 - Sim, queria isso. - Catharina tinha tantos motivos para desejar o teletransporte. O fato de nunca ter tido muitas oportunidades de viajar, seu amor por história e arte, a vontade de conhecer novas pessoas…. Mas não foi isso que ela respondeu. - Eu tento andar por ai como se nada estivesse acontecendo, esquecer algumas coisas, algumas pessoas, mas essa cidade.. Esse ar, esses muros… Estão impregnados de mim mesma. De memórias que eu preferia não ter. Mesmo que outras cidades se pareçam com essa, elas não terão esse cheiro forte de passado.

O homem riu de canto. Catharina achou ele parecia satisfeito com a resposta, e ao mesmo tempo surpreso com a sinceridade. Mas na verdade isso era comum dela. Ela sempre era sincera sobre si mesma e isso geralmente deixa as pessoas sem saber como responder a algo tão cru, tão despido de duplos sentidos.

- Sabe o que me fez conseguir o teletransporte? - Ele disse, como se dissesse “sabe pq eu troquei de operadora?” Catharina apenas fez um aceno de cabeça para que ele continuasse. Não queria interromper, mesmo que ele fosse um louco. Principalmente se ele fosse um louco. - Alguém que quer teletransporte, certamente quer partir. Mas não quer partir totalmente. Quer sempre poder voltar para o lugar de onde veio. Quer ficar em se equilibrando em cima desse muro. Mas as coisas não funcionam bem assim. É preciso saber a hora de ficar em alguns lugares. É preciso passar um tempo realmente longo. Quando você souber os motivos pelos quais você ficaria em algum lugar, sem voltar para casa Catharina, você conseguirá.

Ela olhou para o homem sem dizer nada. Ele fez um aceno de cabeça e começou a andar. Em meio a multidão de pessoas indo e vindo perto ao ponto de ônibus, ele sumiu. Catharina nunca tinha pensado sobre isso. Na cabeça dela, com o teletransporte ele passaria os dias de um lado para o outro conhecendo os cantinhos mais remotos do mundo.

Mas quando ele falou, simplesmente a resposta lhe veio, clara. O que a fez querer embora é o mesmo que a faria quer ficar. Pessoas. Se ela conhecesse, nesses mil e um lugares, pessoas que pedissem para ela ficar, ela ficaria.


Fechou os olhos, enebriada com a possibilidade. Uma brisa fresca e salgada passou por ela. Abriu os olhos e na sua frente não estava a BR movimentada, e sim sua praia favorita. Manteve os olhos abertos. Sonho ou não, ela não queria perder um segundo.